Pablo de Carvalho

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Recife, Pernambuco, Brazil
Escritor (romancista), compositor, cronista e delegado de polícia. Vencedor do prêmio Alagoas em cena 2006, com o romance Iulana, publicado, no mesmo ano, pela Universidade Federal de Alagoas. Vencedor regional e nacional do programa Bolsa Funarte de Criação Literária 2011, da Fundação Nacional de Artes, do Ministério da Cultura, com o romance policial Catracas Púrpuras, lançado no Rio de Janeiro, em novembro de 2012. Escreveu, também, a novela O Eunuco (Edições Catavento, 2001), e o romance O Canteiro de Quimeras (Writers, 2000). Compôs, em parceria com Chico Elpídio, o disco Contemporâneos.

sábado, 8 de abril de 2017

CRONIQUINHA À CIDADE VIL

"Paisagem, isto é, ninguém..."
Fernando Pessoa

E vamos nós, viver a vida! (...) Nós, quem? Vamos eu e minha sombra; eu e meu esqueleto; eu e minha carne e uns poucos pensamentos; eu e minha tristeza, de olhos caídos pelo chão... Vamos! Vamos! Vamos!... Ah, mas a quem engano? Que exclamações desnecessárias... Não vou; serei arrastado por dentro das cidades vis, para suportar os dias, escapar das tragédias, maldizer a chuva entre multidões de idiotas... Que coisa! A gente se arruma, come a pulso, amarra uma gravata escarlate no pescoço largo (evoluído para engolir sapos) e sai, sorrindo em marcha forçada, para oferecer nossas horas em holocausto à cidade vil, inútil, aliás que só serve para aumentar nossa vontade voltar para casa e dormir um sono profundo entre paisagens - isto é, ninguém...

(Um aposentado toca violão em um boteco, em plena quarta-feira sem cinzas... Cinzas há é em seu cinzeiro, ao lado de um invejável copo de cerveja:
- Queimaste tuas horas na cidade vil também, amiguinho? Recuperas agora o tempo perdido? Precisarei tocar minha lira acumulada, apressada pela morte, cheia de pátina com tu, também?)

Laboremos! Melancólicos, laboremos! Vazios, laboremos! Descartáveis, laboremos! Descrentes, laboremos! Bestializados, laboremos! É preciso; laboremos sem relógio, porque roubaram até nossa noite, com estrelas e lua inclusive: porteira fechada. A escuridão, como é tudo, não pode ser levada. Permanece e reina. Entra pelas pupilas, veste o coração, tolda a mente, suja até a imaterialidade das palavras. Laboremos sem amor!, que amar dá muito trabalho...

(Cumpre teu destino, cronista chorão! Não te rebeles! Agradece às cidades, nossas moradas. Cala-te.)

Cidade vil... Gente triste... Solidão em manadas... Burrice.

Chega, por hoje. Quero ver uma paisagem: fecho os olhos.