Pablo de Carvalho

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Recife, Pernambuco, Brazil
Escritor (romancista), compositor, cronista e delegado de polícia. Vencedor do prêmio Alagoas em cena 2006, com o romance Iulana, publicado, no mesmo ano, pela Universidade Federal de Alagoas. Vencedor regional e nacional do programa Bolsa Funarte de Criação Literária 2011, da Fundação Nacional de Artes, do Ministério da Cultura, com o romance policial Catracas Púrpuras, lançado no Rio de Janeiro, em novembro de 2012. Escreveu, também, a novela O Eunuco (Edições Catavento, 2001), e o romance O Canteiro de Quimeras (Writers, 2000). Compôs, em parceria com Chico Elpídio, o disco Contemporâneos.

domingo, 2 de abril de 2017

O MUNDO GIRA

Chega este modesto cronista a seu plantão, um tanto cansado e tímido, mas ainda com boa-vontade no coração, e se senta pra escrever...

Imagina um cenário com lua grande, um azul presente em verde, daquela cor de sanhaçu dos mares alagoanos, um plangente violão debaixo de estrelas, a mulher am...

- Atento, plantão?
- Atento, prossiga!
- Homicídio na Vila da Alegria..
- A caminho...

O mundo gira.

Lá chegando, está a vítima, deitada sobre uma banca de feira vazia, os joelhos cheios de tiros, um tiro no coração. No céu, nada de lua nem de estrela nem de nada: só aquele breu consistente, sólido. Um abafado da gota serena. Carne escanchada em ferrões. Impaciência. Gente feito a peste!

Vem um popular e diz, pra depois desaparecer na multidão:

- Ele estava sentado aqui na banca. Era ladrão. O terror dos feirante! O cabra já foi e pou!, pou!, pou!, pou! Ele se bateu-se nas canela mas quando o úrtimo tiro pegou nos peitxo, ele se estribuxô quenem poico e ficou aí... Era ladrão!...

O mundo gira. Gira, mundo! Cadê o azul? Virou escarlate!

- Abram a bolsa dele! Que há?
- Três camisas, uma bermuda. Era assaltante... isso era pra mudar depois do assalto. Ele era o terror dos feirantes!

Num brega ao lado, um tecladista sem talento, desafinado feito a moléstia, anima a gandaia. Cadê meu violão imaginado? O sujeito era o terror da feira... Cadê minha boa-vontade? Eita, mundo que gira!

O sangue dele escorreu, fez uma poça no chão. Nas bancas ao lado e em frente há porcos e bois, que é em breve a hora de começar a feira.

Ouve-se uma explosão, lá na parte alta da rua... Vêm os fios ladeira abaixo estourando e pegando fogo sobre nós. O desespero é grande! Se cair na cabeça de um cristão, mata na hora! O local do crime se esvazia imediatamente, são sucessivas explosões, cheiro de borracha queimada e depois o silêncio... Risada. Todos estão bem? Sim! O morto, impassível.

(Aqui pra nós, caiu uma bacia de tripa no esgoto, em plena agonia, mas nem bem as explosões cessaram, já estavam postas na bancada, esperando os fregueses... O mundo gira)

Tudo ficou escuro, ou iluminado aos pedaços pelas lanterninhas dos telefones.

Entediada, a gente começou a votar pra casa.

Depois de uma maçada enorme, a funerária chegou, levou o cadáver sem cerimônia e foi em sua partida o exato instante em que sol começou a raiar.

As galinhas saíram dos quintais pra ciscar na rua. Formaram-se em redor do sangue deixado pelo defunto e começaram a bicá-lo com animação.

...E eu poderia jurar que aquelas galinhas de capoeira fofocavam, baixinho, entre si: o mundo gira, cumadi...

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