Pablo de Carvalho

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Recife, Pernambuco, Brazil
Escritor (romancista), compositor, cronista e delegado de polícia. Vencedor do prêmio Alagoas em cena 2006, com o romance Iulana, publicado, no mesmo ano, pela Universidade Federal de Alagoas. Vencedor regional e nacional do programa Bolsa Funarte de Criação Literária 2011, da Fundação Nacional de Artes, do Ministério da Cultura, com o romance policial Catracas Púrpuras, lançado no Rio de Janeiro, em novembro de 2012. Escreveu, também, a novela O Eunuco (Edições Catavento, 2001), e o romance O Canteiro de Quimeras (Writers, 2000). Compôs, em parceria com Chico Elpídio, o disco Contemporâneos.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Deus não existe (estilo herege)



(Antes de mais nada, imito os gregos na famosa frase: EVITE O EXCESSO, cujo espírito deve povoar toda esta crônica)

O Brasil está se tornando um país chato pra caramba. Antes, era um pobre bem humorado, um estrategista contra o desespero, um brincalhão que não conseguia esconder sua tristeza. Agora é um novo-rico padrão, com todas as virtudes e cafonices de um novo-rico.

Publicamente, tornou-se (o Brasil) um senhor respeitável, politicamente corretíssimo, e com um medo tão grande de desagradar que, pra começar, criou a expressão (desgraçada expressão) afro-descendente pra não ter que chamar o cara do que ele é: negro. Ouviram? Sim, eu disse: você, amigo, é negro, bata no peito e repita comigo! Agora, eu pergunto: o branco será euro-descendente?, o índio será o não-descendente?, e o mestiço... o pluri-descendente? – eita, o mestiço então é “fidiquenga”? Vou processar alguém!

Depois, criou-se a Homofobia, e sepultou-se 40% das mais geniais piadas nacionais (Chico Anysio, hoje, seria preso depois do primeiro programa), sem conseguir-se diminuir a discriminação – aliás, agravando-a. E o cara não é gay/veado/baitola, nem diga isso!, ele é “homoafetivo”. Ou seja, dois negros homossexuais seriam um casal de afro-descendentes que viveriam uma relação homoafetiva, e se você chamá-los de negros gays, não importa o quão respeitoso seja o seu tom, é risco de cadeia, linchamento e destruição da sua imagem pela mídia.

Mas, como a coisa pegou e espinhentos, anões, gordos, zarolhos, pernetas, feios, criados por vó etc. queriam também sua cota de “respeitabilidade”, sintetizou-se o pudor cacete no “bulliyng” (em nordestinês, o “bulindo”), que é o seguinte: deixem essa criança intocada, nada de piadas com ela. Mantenham-na em constante e saudável estado de quase histeria e desconfiança, pois esse negócio de alternar riso e choro é perigoso, é muito instável!

Mas o novo-rico Brasil tem também seu lado obscuro... Se, de um lado, é extremamente cheio de pudor, do outro é depravado, vulgar, escandalosamente seboso. E essa vulgaridade, antes ficasse só na seara sexual; ela vai além: é na música, na TV, nas ideias, na vida em geral... Sim, o país que anda de gel no cabelo, e terno e gravata, por debaixo está de fio dental...

E Deus, o que tem com isso?

Mas é sobre isso que vim prosear, ora essa!

Porque o Brasil novo-rico é também o país que criou um Deus. Criou-o, aliás, à sua imagem e semelhança (do país, e não de Deus), porque novo-rico que é novo-rico não gosta de coisa usada! Assim, como disse Rosane Collor, não foi coincidência, mas Jesuscidência haver esse Deus maravilhoso criado pelo Brasil, e não vou me esconder em metáforas: criado pelos segmentos mais radicais da igreja evangélica, a partir de um projeto empoeirado da igreja católica – advirto aos eruditos: falo como povo, e não como o teólogo que não sou.

Eu, cronista incurável, converso muito com o povão na rua, e eles me explicaram como é esse Deus. Ele é assim: É furioso. Se você não cumprir o que prometeu, lhe esmaga como a uma formiga! Sua lei, sua justiça: “olho por cabeça, dente por boca.” É fiel: não volta atrás do que disse nem com a moléstia, mesmo que esteja errado a toda evidência. Por exemplo: condena ao inferno quem não o aceitou, mesmo seja um homem do bem, imaculado, e manda pro céu quem o aceita, mesmo sendo um traficante-pedófilo-nazista que beije a Bíblia trinta segundos antes de morrer. Estranhamente, é homofóbico: lugar de gay é no inferno... E praticou bullying contra muita gente, lá nos tempos da Bíblia (Isaac que o diga...). Não chega a ser racista, mas discrimina os não eleitos, os não evangélicos – coitados dos budistas, têm mesmo que meditar pra aguentar tanto desprezo... É comerciante: recompensa fé com dinheiro. É vaidoso, global: tem que ser amado, paparicado, adorado, ter o nome repetido o dia inteiro – se o cabra falar dormindo melhor ainda: repetir o sagrado nome noite adentro... É censor: pra ele só existe um livro: a Bíblia. Pros demais: fogueira. Outra coisa curiosa: é do sexo masculino... É “o” Deus... Isso é machista e sem utilidade, não? E digo mais: não sei se salva almas, mas salva imagens que é uma beleza: tanta gente canalha e criminosa, a primeira coisa que faz quando a máscara cai é “aceitar” Jesus e sair dizendo, a plenos pulmões, que o fez, como uma necessidade de fora pra dentro, e não de dentro pra fora... É... É isso que vocês todos sabem... Ah, cansaço!

Esse Deus, meus amigos, não existe, porque uma força capaz de criar, do nada, o átomo, o tigre, a música, as galáxias, a beleza, a mulher (e, claro: um Cristo, um Buda, um Ghandi, um Chico Xavier); algo com tamanha inteligência, com tamanha virtuosidade, tão esplendoroso e tão distante de nossa pequena compreensão, jamais teria tantos defeitos de caráter, jamais seria pior que muitos dos próprios filhos.

Deus não existe. Existe, apenas, a palavra Deus, e eu não creio em palavras, creio no óbvio: que tudo o que há, se fosse fruto do acaso, seria como o resultado de quem jogasse em apenas dois números e ganhasse na mega-sena; mas, tudo sendo fruto de uma Gigante Potência, de uma Suprema Inteligência (em que creio plenamente, e diante da qual me ajoelho em humildade), não pode tentar ser definido pela burrice humana, sob pena de alguém desejar apedrejar um terreiro de matriz africana, chutar uma estátua de mulher, ou pior: furtar a mixaria de pobres, ignorantes, maltratados, fracos de caráter; os filhos de Deus...

7 comentários:

  1. Perfeito Pablo, no entanto para os fanáticos das religiões, pouco racionais, essa crônica é um crime punido com a pena de morte.


    Fábio Moura

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  2. Diz isso não que pode estar incitando os doidos!!!!

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  3. Ei, não fale dos meninos criados com vó não!
    Temos um grande amigo em comum que foi criado pela avó e hoje é um grande Homem, grande profissional.
    Eu (e minha memória delatora) lembro dos idos de 2000, quando pegava o ônibus Benedito Bentes/Ponta verde para estudar no Aldebaran, na casa do nosso amigo.
    Acordava antes das 6 da matina e seguia durante uma hora e meia no ônibus; no caminho, já ia lendo um capítulo de Medicina legal que era pra não perder o precioso tempo de estudo.
    Ao chegar na entrada do luxuoso condomínio, ligava para o dorminhoco que pegava o carro e vinha me buscar.
    Às vezes ele voltava a dormir e eu tinha que andar durante mais 25 minutos até a casa dele, para então acordá-lo.
    Meia hora pra me recuperar do cansaço e da raiva, começávamos a estudar.
    Em uma dessas dormidas até mais tarde do amigo, cheguei na casa dele disposto a derrubá-lo da cama pra dar-lhe uma lição. Compromisso de estudo era sagrado!
    Foi quando eu entrei no quarto do indigitado e flagrei a causa da moleza.
    A saudosa D. Elvira, avó do nosso amigo, estava calçando uma meinha (lembro até a marca, Nike) no coitadinho; explicou-me que era pra ele não ter frio durante o sono.
    E o safado aos roncos, plena nove da manhã.
    Dei-lhe um sopapo e acordei o notívago, contrariando a protetora vovozinha.
    Nesse dia não teve mal humor para estudar; o cansaço da "viagem" de ônibus até o Aldebaran e os 25 minutos de caminhada foram pagos com juros e correção monetária, de tanto que eu tirei sarro dele por conta da cena.
    E alguns meses depois estávamos sendo nomeados os dois em um bom concurso público.
    E essa História sobreviveu.
    Homenagem singela à D. Elvira, a vó mais protetora do mundo.

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  4. Vivemos cercados de tantos filhos da puta, que seria preciso admitir a existência de "um Pai" para cada um deles. A canalhice é uma invenção genuinamente humana, falsamente temperada por tempestivas vontades de um Deus (ou Deuses) e de um capeta que, totalmente alheio a essas maldades, responde por cúmplice, partícipe ou mentor intelectual, no lugar de quem o criou, para esse único e exclusivo fim: puni-lo ao invés de quem o deveria ser. É o maior "bode expiatório" do mundo! Sinto pena do capeta. E mais ainda de quem acredita nele. E quanto a Deus? Bem, a considerar tudo o que foi dito, me avisa quando o virem - ou uma definição que me convença. É que tem coisas que "são", que não precisam de quem por eles orem, clamem, temam ou defequem em seu nome. Simples assim.

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  5. Certamente, aquele que se ajoelha no chão, de bíblia no sovaco, que prega no vidro do carro “Deus é Fiel”, “Presente de Deus”, ou “Quando Deus quer é assim”, está indignado, achando um tremendo absurdo. Sente-se ultrajado e acredita que o autor e seus asseclas vão virar espetinho no Inferno! Acredita que quem está por trás disto tudo é o inimigo !

    No íntimo, em seu profundo íntimo, o irmão sente, no entanto, a razão saltando aos olhos, aos ouvidos, pulsando em todo seu mecanismo racional, insistindo para ser admitida, considerada. Ele sabe! Mas – que pena ! – não pode admitir, senão a estrutura de sua fé será desmontada, dilacerada, destruída e, se assim o for, será condenado.

    Ele é vítima de Jesus. Ele é seu prisioneiro. Ele o faz de remédio, controle remoto, boleto bancário. Jesus compensa suas aflições, preenche seus ouvidos com músicas envolventes, de forte apelo emocional. Jesus também o abastece em suas carências, nutrindo suas repressões, castrando seus desejos, ainda que, estranhamente, um fogo pentecostal faça escorrer, por baixo das saias, saboroso líquido entre as pernas, ou faça enrijecer, dentro das calças, membros absortos.

    Jesus precisa de dividendos para adquirir lotes com vista para o mar, precisa de carros de luxo, relógios de primeira linha, mansões, iates. Pessoalmente, Jesus lavrou procuração conferindo poderes ilimitados aos seus representantes legais, outorgados para todo o sempre. Estes abrem “igrejas” em cada esquina, vendem livros, são donos de redes de televisão, rádio, jornal, partidos políticos. Tudo sob o comando de Jesus. Aleluia!!!

    Um abraço.

    Bruno Sobreira

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  6. Os protestantes, principalmente (não necessariamente evangélicos, pois evangélicos são todos os que seguem o evangelho, portanto, católicos são também evangélicos)ainda não pararam pra pensar que, em sua concepção, o demônio nada mais é do que um aliado de Deus, pois se os que não o obedecem são enviados ao inferno, e sendo ele infinitamente poderoso, é sinal de que é condescendente com a existência do cramulhão, permitindo que este abocanhe seus desafetos. Portanto, Deus necessita do demônio para ter pra onde enviar aqueles que não o aceitaram (ou seja, todos os não protestantes). E agora, hein, súditos de Edir Macedo ???!!! Será que não seria de bom tom passarmos a tratar o coisa-ruim com mais consideração ???

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