Pablo de Carvalho

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Recife, Pernambuco, Brazil
Escritor (romancista), compositor, cronista e delegado de polícia. Vencedor do prêmio Alagoas em cena 2006, com o romance Iulana, publicado, no mesmo ano, pela Universidade Federal de Alagoas. Vencedor regional e nacional do programa Bolsa Funarte de Criação Literária 2011, da Fundação Nacional de Artes, do Ministério da Cultura, com o romance policial Catracas Púrpuras, lançado no Rio de Janeiro, em novembro de 2012. Escreveu, também, a novela O Eunuco (Edições Catavento, 2001), e o romance O Canteiro de Quimeras (Writers, 2000). Compôs, em parceria com Chico Elpídio, o disco Contemporâneos.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Do terno e gravata, e de outros desgostos (crônica estilista)






Outro dia eu assistia a um documentário sobre moda (com minha cara de retardado), quando um estilista (o estilista moderno é uma mistura de costureiro e artista plástico) gordinho disse algo que me deixou profundamente chocado. Perguntado sobre a escandalosa magreza das modelos, ele cruzou os braços, apoiou o queixo na palma da mão e tacou: “Elas são assim porque o destaque é na roupa; elas são meros cabides…” e riu sarcasticamente (ou o sarcasmo pertencia à minha perplexidade, sei lá). Aí eu me revoltei, quase engasgo: homi, eu nunca vi o acessório ser mais que o principal! Veja o absurdo: estamos falando de beleza e botamos a mulher à parte! A mulher, vocês entenderam? A mulher nada significa pro vestido! Não posso entender um olhar sobre a beleza em que uns panos superem quem a infinita poesia de todos os tempos adora, canta, sublima (e até consome!), por uma futilidade, por algo que pertence à doença estética dos vazios. Não posso entender, também, que mulheres (e essas modelos têm um jeito agressivo que dá até medo) permitam ser o objeto que pertence à roupa e a leva pra passear…

Essa revolta levou automaticamente o meu pensamento a um velho desafeto (este desafeto e eu somos como os duelistas idiotas do conto, que passam anos sem fim duelando inutilmente, sem aplacarem o ódio recíproco e o amor à honra), que se chama o combinado terno e gravata.

Não entendo por que tenho (eu, sujeito calorento; eu, sujeito de se encostar nos cantos; eu, sujeito que gosta de deitar na rede; eu, que sofro de enxaqueca desde a infância!) que, debaixo do sol de Recife, usar uma roupa que é prima em primeiro grau da camisa de força.

Vejam que, pra começar, a gravata já traz em si o sentido de coleira, o que é a submissão do coitado do cara à máquina do trabalho massacrante – por sinal, além de aquecer o corpo, ela diminui o fluxo de sangue ao cérebro, contribuindo pro emburrecimento do indivíduo, o que facilita a aceitação do uso.

Depois, tem-se o paletó, objeto mais inimigo do abraço que há, porque, em seu desenho tosco, tem umas costuras que dificultam erguer os braços e se, mais que erguê-los, abrimo-los, o paletó dispara uma série de mecanismos de contenção, a saber: 1) espicha-se feito asas de morcego (afugenta); 2) as ombreiras se procuram a quase tocar nossas orelhas (ameaça satanicamente); 3) as mangas encurtam e todo ele nos puxa pra baixo de novo, pra reclusão, pro fechamento, pro comportamento, pra solidão outra vez, como uma ordem de “pare!” apoiada pela gravada que, diante do gesto, aperta ainda mais o pescoço da vítima (uso medieval de recursos mecânicos).

As calças do desgraçado não suportam uma carteira sem desengonçar. E encurtam demais quando sentamos, deixando-nos naquela situação ridícula de “o defunto era menor”.

Os sapatos, confeccionados pra pisar em chãos que não se parecem com os chãos que conheço, deixo-os quietos, em respeito a sambistas, sapateadores e outros cujo talento consegue salvá-los das trevas.

Enfim (tô exausto!), se não posso me livrar do terno (ou passo calor ou passo fome), posso fazê-lo quanto à mulher vazia. Posso, além do mais, criticar o casal que passa: ele, orgulhoso, com sua roupa formal, suas ombreiras (salve Renato Aragão!), seu signo de distinção; ela, magra, cheia de quinas, usada por seu vestido. E posso, sobretudo, crer que meus motivos pra usar terno são diferentes dos dele, e que jamais uma mulher daquelas, por melhor que seja a ilusão de sua aparição, de seu perfume e de seus olhos lunares, sentará ao meu lado nesta mesa do café – muito menos num boteco, claro.


Sobre o tema, eu e Chico fizemos este samba: http://www.youtube.com/watch?v=Xw1JVGD0xOA&feature=g-upl&context=G2b5436cAUAAAAAAAAAA

4 comentários:

  1. A crônica tal qual o samba, você e seu olhar atento. Do fã Chico Elpídio, abraços.

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  2. Valeu, parceiro! A recíproca é verdadeira!

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  3. Primeira de luxo, primeira sem segunda.

    Fábio Moura

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  4. bela crônica meu amigo. Fiquei até comovido (quase choro de dó) só de pensar em você de enxaqueca. rsss
    Grande abraço.

    Patrick Allen

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