Pablo de Carvalho

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Recife, Pernambuco, Brazil
Escritor (romancista), compositor, cronista e delegado de polícia. Vencedor do prêmio Alagoas em cena 2006, com o romance Iulana, publicado, no mesmo ano, pela Universidade Federal de Alagoas. Vencedor regional e nacional do programa Bolsa Funarte de Criação Literária 2011, da Fundação Nacional de Artes, do Ministério da Cultura, com o romance policial Catracas Púrpuras, lançado no Rio de Janeiro, em novembro de 2012. Escreveu, também, a novela O Eunuco (Edições Catavento, 2001), e o romance O Canteiro de Quimeras (Writers, 2000). Compôs, em parceria com Chico Elpídio, o disco Contemporâneos.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

O casamento é uma droga (cotidianíssimo)



Neste feriadão, minha mulher e minha filha viajaram. Compromissos profissionais me mantiveram em Recife.

Não nego que fiquei numa baita alegria: a casa só minha, os livros, os discos, a boemia solitária, o silêncio e a meditação – uma folga pro operário!

Deixei-as na rodoviária e parti, cheio de planos na cabeça: vou ao cinema, vou cozinhar, vou ler, vou ver meus documentários, vou tomar um pileque de testa comigo, ouvindo músicas naquela sequência desordenada que só eu curto e, sobretudo: vou me amancebar com o sofá!

Cheguei do trabalho, fiz uma faxina, tomei uma ducha, preparei uma bebida, botei música pra tocar, inventei umas receitas malucas, larguei-as no fogo, acendi um cigarro, sentei-me no meio da sala e comecei a pensar na vida... Olhei pra cidade noturna, peguei a “cuba-libre”, levantei um brinde e dei uma golada enorme, tragando fundo a cigarrilha na boca gelada, suspirando: “ a vida é bela...”

Começou a vir chuva, e lembrei que as janelas estavam abertas.

Entrei no quarto da minha filha, e vi ali seus brinquedinhos, suas cartinhas escritas com aquelas letrinhas doces de quem ainda desenha as palavras – o que é infinitamente mais bonito que escrevê-las. E também suas roupinhas, os sapatinhos, os diademas cor-de-rosa... Bateu uma tristeza tão desmantelada! Veio aquele acalanto íntimo, aquela ânsia de bobão que dá na gente pra dizer: “minha bebezinha, meu denguinho, princesinha do velho...” Mas me contive, dei em mim de cotovelo: “calma, cara, isso é bobagem... são só uns dias; deixe de frescura e vá curtir!” Fechei as janelas, tranquei a porta e fui ao quarto de casal, onde estavam a cama bagunçada (molhada só de chuva) e o guarda-roupa fechado que, contra todo o bom-senso do mundo, decidi abrir. E lá havia mais desengano ainda, essa coisa toda da ausência feminina: os cintos sem cintura, os perfumes contidos, os sapatos sem direção, a maquiagem em estado de pedra, os vestidos sem alma (pense numa coisa melancólica, um vestido sem mulher dentro!)... A garganta travou. Pensei: “vou pra cachaça, acabar com essa moleza!” Virei uma dose, botei um sambão no DVD e ainda tentei, com meu molejo de “Coisinha de Jesus”, dar um passinho, mas lembrei logo (quase escuto no ar!) que o certo, o lógico, o bacana, o esperado seria, naquele momento, as duas zombando do meu patético desengonço, e logo depois (mulher troca de humor depressa!) a mulher a recomendar moderação na birita, reclamando também da bagunça, do cheiro de fumaça, da altura do som, e a filhinha, docemente mas com gravidade, a imitar as palavras da mãe, seus gestos, seu tom, imitando também o meu passo torto, tirando onda, surrupiando tira-gosto, bagunçando a casa mais que eu... Disfarçadamente, a mulher olharia pra tudo e sorriria.

Feriado cacete. Feriado sem graça. Passa logo, tempo desnecessário!

(...)

Meus amigos, meus irmãos, homens que ainda têm olhos na cara, não sejam idiotas feito este escritor que pra aprender tem de levar uma lapada: o homem só é só a solidão, e estando só ele não vê o mundo, porque não ama pra ver e ser visto. O homem só não existe, ele é menos que ninguém, porque o ninguém, pelo menos, não mete os pés pelas mãos, não desfaz a beleza.

Tenham gente pra dar cuidado, porque cuidar de si e de si apenas é a coisa mais mesquinha e sem sentido; e é coisa que desagrada à Vida, coisa que nos transforma em mera peça de mobília.

Sim, o casamento é uma droga, uma droga que cura o homem do desespero e da solidão, disse-o bem e mandou na veia aquela antiga canção.


(A quem interessar possa, a canção é esta:
http://www.youtube.com/watch?v=2N4U9pUmbxY)

11 comentários:

  1. Valeu, Pablo... Abs...

    Jullyard

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  2. Muita metodologia na cabeça nos últimos dias, então, vou classificar a de hoje: "uma coisinha linda"
    bjo grande
    Silvia

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  3. O pior é que você tem razão. Esse é o meu sentimento quando estou na mesma situação que estás agora. Então vamos tomar uma para desanuviar a cabeça.


    Fábio Moura

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  4. Eh isso aí "cabeção"!!! Traduziu o que eh o casamento... Diogo Medeiros

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  5. Não existe vida só, ou melhor, se existe, não tem a beleza de Viver...Grande Crônica...

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  6. Bela crônica, parceiro! O casamento é mesmo uma droga... que cura...

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  7. A mim você não engana. Sou solteiro, 37 anos e sou feliz assim. Sou consciente dos meus defeitos e penso que às vezes não dou conta de cuidar nem de mim mesmo, quanto mais de esposa e filhos. Para quê filhos neste mundo de merda? Eu tenho os meus pais idosos para cuidar, estes sim deveriam ser a prioridade, pois precisam de apoio na velhice e nas doenças que vem. Agora para o seu deleite tem dois sites que deveria ver sobre solteirismo, mas deveria pesquisar também sobre o divórcio, mas sendo advogado e homem deve saber que a lei está sempre do lado das mulheres. http://en.wikipedia.org/wiki/Bachelor

    http://lendasdafloresta.blogspot.com.br/2007/10/casamento-uma-merda.html


    Anonymous said...
    Depois de ler todos os comentários, decidi matar minha mulher! Vou agora mesmo pegar uma faca e vou até o banheiro ( ela esta tomando banho, morra! morra! moooorraaaa !
    2/19/2013 7:15 PM
    Anonymous said...
    kkkk....morra, morra...esse foi o melhor comentário.

    Cara, minha postura em relação a casamento era esta mesmo: vai dar merda.
    Infelizmente não encontrei a mulher que queria, foi mas o caso de "não tem tu vai tu mesmo".
    E a gente se deixa levar pela atração física, pelo sonho de construir uma família feliz...
    E acredita nisto pois na fase de namoro, a mulher concorda com tudo, está sempre feliz, disposta...
    Mas tudo isso é apenas uma farsa para que você concorde em se casar com ela.
    Não que seja uma enganação, ela apenas age pensando em manter a relação.

    Depois do casamento, quando seus sogros entram no cenário, e a sua esposa está na sua casa...acabou.
    A casa passa a ser dela e até para levar seus falimiares lá, você terá que pedir permissão...
    Agora ela vai agir como a dona da casa, e não pensa mais em manter a relação.
    Ela pensa em "melhorar" a relação: você tem que fazer tudo o que ela quer, e tudo o que ela combinar com a mãe dela.
    Você tem que cuidar da casa, cuidar dela, dar atenção somente a ela, esquecer os amigos, sua família, seus projetos.
    Toda decisão que antes você tomava sozinho, você tem que tomar junto com ela, afinal "o casamento" é assim.
    Qualquer coisa que você queira fazer antes terá que ser comunicado a ela.
    Ela pensa me "melhorar" você: mudar seus hábitos, ditar seus horários, lhe manter sobre controle.

    E o pior é que ela não sabe o que está fazendo, porque ela também não sabia o que era o casamento.
    Ela age por comparação: se espelha na relação dos pais com mais de vinte anos de casados.
    Acredita que ela vai mandar em você do mesmo modo que a mão dela manda no marido.
    Só que ela não entende que no início do casamento eles não eram assim.
    Ninguém no primeiro ano de casamento pede satisfação sobre conta bancária.
    Nem vai controlar, mudar, brigar, reclamar com o marido desde o princípio da relação.

    E as pessoas não são iguais e a época é outra: ninguém consegue e nem precisa fingir num casamento.
    Se você está infeliz, você vai lutar para manter o casamento e depois vai jogar a toalha.
    Ou você vai tentar tirar o maus hábitos da sua esposa ou vai sair de casa.

    Como melhorar o casamento?
    Não sei....são tantas situações de stress que eu preferia estar sozinho.
    É tanta pressão que as pessoas perdem a naturalidade.

    Posso comer biscoito no quarto?
    Melhor não, senão ela vai reclamar e aí eu fico desmoralizado, sem autonomia.
    Será que eu tenho q ligar pros pais dela e perguntar se eu posso comer biscoito no quarto???
    Já sei, na próxima compra do mercado eu não vou mais comprar biscoito...
    Menos uma situação de conflito...

    Posso chamar meus sobrinhos pra vir aqui em casa?
    Podemos ir no restaurante e chamar a minha mãe?
    Posso comprar um tênis novo?
    Posso tomar o choop do final do ano com os amigos?
    Amor, eles também são casados e não escutaram uma hora e meia de reclamações...
    3/27/2013 10:30 AM

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