Pablo de Carvalho

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Recife, Pernambuco, Brazil
Escritor (romancista), compositor, cronista e delegado de polícia. Vencedor do prêmio Alagoas em cena 2006, com o romance Iulana, publicado, no mesmo ano, pela Universidade Federal de Alagoas. Vencedor regional e nacional do programa Bolsa Funarte de Criação Literária 2011, da Fundação Nacional de Artes, do Ministério da Cultura, com o romance policial Catracas Púrpuras, lançado no Rio de Janeiro, em novembro de 2012. Escreveu, também, a novela O Eunuco (Edições Catavento, 2001), e o romance O Canteiro de Quimeras (Writers, 2000). Compôs, em parceria com Chico Elpídio, o disco Contemporâneos.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

O velhinho do poodle (cotidiano)


É aquela velha sina, repetida, sabida, batida, manjada, mas nunca bem digerida: todos envelhecemos, e todos haveremos de morrer.

Claro que, se morrermos como dizem os materialistas purinhos, não haverá drama porque não haverá memória de presente nem passado, nem rastro de futuro, nem haverá escuridão nem solidão, nem dor nem nada dessas coisas que pertencem à consciência e que, contraditoriamente, a literatura gosta de dizer que haverá depois da morte, negando a própria tese de morte absoluta que, ocorrendo, transforma o morto, do ponto de vista dele mesmo, em algo que jamais existiu, e nada pode sentir, inclusive o silêncio e o breu. Nisso não creio, nem também creio no Deus que nós inventamos, vaidoso e violento, fã da adulação e da humilhação (um misto de deputado e senhor de engenho), mas isso é assunto para outra crônica e... Eita, cadê o velhinho do poodle? Fiquei aqui filosofando e ele passou por mim... Vamos atrás dele!

Lá está o velhinho, o que vejo sempre, às cinco da manhã. Lá vai ele, de tênis e meias sociais marrons até o meio da canela, com a bermuda do pijama e camisa polo. Na cabeça, um boné do chinês e, na cara, de barba malfeita, os óculos pendurados pela cordinha. Na mão (lá vem a parte mais triste!), uma corda lilás, fina, na ponta da qual anda, rebolando, saltitando, um poodle mimado e de salto-alto, o único cachorro no mundo que tem nojo de farejar. Para piorar o desastre, o velhinho carrega, na mão livre, um saco plástico, para apanhar o cocô do cãozinho afrescalhado...

Claro que, se o velhinho está lá, fazendo aquilo, é porque no apartamento existe uma velhinha maquiavélica, que certamente esfrega as mãos e sorri, num gesto de vitória, depois que ele bate a porta. Supõe-se, então, que a vida toda daquele velhinho foi carregar poodles, sejam eles cães ou não: os poodles-esporro do patrão, os poodles de cimento da rotina, os poodles sarnentos da inveja, os poodles castrados do desamor, os poodles em fila do empréstimo consignado, e por aí afora, essa “matilha” vergonhosa.

Dá vontade de apertar a gola dele e dizer: “Filho de uma égua! Veja aí pelo mundo, quantas opções de ser: o velhinho paquerador do supermercado, o velhinho atlético da beira-mar, o velhinho viciado em dominó e telenovela, o velhinho trabalhador compulsivo, o velhinho cachaceiro, o velhinho artista retardatário, o velhinho universitário, o velhinho apaixonado pela velhinha, o velhinho fissurado no automóvel, o velhinho de banco na calçada, o velhinho criador de passarinhos, o velhinho jardineiro, o velhinho reformador da casa, o velhinho saudoso da 2ª Guerra , o velhinho motociclista etc. etc. etc., e você, miserável, opta por ser o velhinho do poodle!”

Sei não, fico bravo, fico tenso, fico com vontade de passar com o carro por cima do cachorrinho!... Olhe-olhe-lhe, que o negócio da gola é sério mesmo, e eu só não o faço porque, vai que esse poodle vira homem e morde meu calcanhar!...

Um comentário:

  1. Tem gente que já é acostumado com esse negócio de passar com o carro por cima dos animaizinhos.
    Lembrou-me uma História (com H maiúsculo) que daria uma Crônica, daquelas escritas pelo Pablo com maestria, das mais divertidas.
    Dois amigos muito próximos saíram para uma farra (há muito tempo atrás, mas minha memória deixa a do Dumbo no chinelo) e, no linguajar dos farristas, não pegaram nem gripe!
    Quando retornavam pra casa, o motorista guiava sua estimada Belina e reclamava da sorte, ou da falta dela, quando avistou um casal de gatinhos se amando bem na beira da estrada.
    O enfurecido motorista disse ao amigo que, se ele não tinha pego ninguém naquela fatídica noite forrozeira, os gatos também não teriam esse direito.
    E, imaginando que os felinos estivessem zombeteando de sua desdita e pondo em xeque sua competência na arte da corte, passou com o carro por cima dos dois em pleno ato sexual.
    Àquela altura, os bichanos já deviam ter gasto seis de suas vidas pois não sobrou nem o pêlo nem o pó.
    Sorriso triunfal na cara, o desaventurado Don Juan do Buganvília olhou para o lado, esperando manifestação de anuência do companheiro de infortúnio.
    Qual foi a sua surpresa quando já avistou o amigo com as lágrimas rolando no rosto, em rara demonstração de sensibilidade e compaixão humana.
    Merda feita, não havia mais como voltar atrás.
    E foram lanchar em alguma lanchonete ainda aberta na madrugada; mas que não vendesse churrasquinho pois não queriam correr o risco de fomentar o abate de mais nenhum primo do Garfield.

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