Pablo de Carvalho

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Recife, Pernambuco, Brazil
Escritor (romancista), compositor, cronista e delegado de polícia. Vencedor do prêmio Alagoas em cena 2006, com o romance Iulana, publicado, no mesmo ano, pela Universidade Federal de Alagoas. Vencedor regional e nacional do programa Bolsa Funarte de Criação Literária 2011, da Fundação Nacional de Artes, do Ministério da Cultura, com o romance policial Catracas Púrpuras, lançado no Rio de Janeiro, em novembro de 2012. Escreveu, também, a novela O Eunuco (Edições Catavento, 2001), e o romance O Canteiro de Quimeras (Writers, 2000). Compôs, em parceria com Chico Elpídio, o disco Contemporâneos.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Voo capenga (cotidiano lírico)


Outro dia, sentei-me num banco de praça, no centro da cidade, para esperar, em tique-taque, a semana chegar ao fim. A tarde caía, e as pessoas se agitavam para recolher barracas, tomar lotações, fechar lojas etc. Era o céu se amenizando e a gente se agitando; era o tempo se adocicando e a gente se azedando; era, enfim, aquele baita contraste que nos enche de poesia e tristeza quando o dia vai virando noite.

Bem na minha frente havia um chafariz estagnado, cheio de água suja, repleta de girinos. Pensei: aí está um monumento adequado ao seu entorno: água suja para um mundo sujo; animais sem identidade (o infeliz do girino nem é peixe nem é sapo) para pessoas sem identidade.

Mais perto de mim, uma “quadrilha” de pombos ciscava sobras pelo chão. No meio deles havia um com um cordão preso aos pés. Dava para notá-lo de cara, porque o danado chamava atenção: andava todo desengonçado, já que o velho cordão lhe embaraçava os passos, e voava meio a pulso, já que o velho cordão lhe desajeitava o voo. Em virtude dessa desvantagem artificial, era o mais magrinho de todos, pois tinha de se contentar em comer sobras de sobras. Além disso, seus olhos eram esquivos e distantes.

Fixei a vista nele um tempo, e de repente meu coração cresceu, meus olhos se encheram de lágrimas. Fiquei todo encabulado, dramático, e tive de sair dali, para que não pensassem que eu era algum suicida urbano ou vítima de um desembesto de dor de cotovelo.

Fui a um boteco. Entrei apressado, nem vi nada direito. Pedi uma mesa nos fundos, depois do banheiro, já no quintal, debaixo de uma mangueira antiga, e entornei uma dose de cuba-libre. Pedi mais uma. Acendi um cigarro, pensando no diabo daquilo que me havia acontecido, na razão daquela súbita e intensa comoção…

Demorou, mas entendi: como aquela avezinha, sou eu, pobre cidadão da vida, e o cordão que trago atado aos pés é essa sensibilidade para com tudo, que não me deixa caminhar entre iguais sem tropeçar, e nem voar me deixa, e me emagrece das coisas da vida dos homens.

É isso, meu choro é isso... E essas palavras, se não param pelo cordão, se espalham pelas calçadas, marquises e telhados, feito as penas do pombo enganchado em si mesmo.

4 comentários:

  1. Filho de uma P...ta inteligente do car...lho!!!!
    Ps. Você sabe que isso é um dos maiores elogios.

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  2. Ótimo texto, Pablo, sensível e bem construído (é assim que deve ser devidamente descrito). Parabéns.

    FERNANDO MONTEIRO

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  3. Amor, sou seu fã!

    Cajueiro

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  4. Genial como sempre, criativo como nunca...

    Jullyard

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