Pablo de Carvalho

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Recife, Pernambuco, Brazil
Escritor (romancista), compositor, cronista e delegado de polícia. Vencedor do prêmio Alagoas em cena 2006, com o romance Iulana, publicado, no mesmo ano, pela Universidade Federal de Alagoas. Vencedor regional e nacional do programa Bolsa Funarte de Criação Literária 2011, da Fundação Nacional de Artes, do Ministério da Cultura, com o romance policial Catracas Púrpuras, lançado no Rio de Janeiro, em novembro de 2012. Escreveu, também, a novela O Eunuco (Edições Catavento, 2001), e o romance O Canteiro de Quimeras (Writers, 2000). Compôs, em parceria com Chico Elpídio, o disco Contemporâneos.

sexta-feira, 17 de março de 2017

O Colibri de Deus

A minha fé em Deus é como um colibri verde que eu trouxesse na palma da mão esquerda, sendo que eu sou destro. Avezinha sublime, que se treme toda de medo porque o punho é bruto; os dedos, inábeis; a palma, cheia de culpas.
E é preciso caminhar, caminhar entre a gente, na balbúrdia da cidade, com o colibri na mão; protegê-lo da força de minha carne, de esbarrar em burocratas distraídos, de eu mesmo me distrair e deixá-lo escapar para o céu, de onde ele veio... Doce colibri verde, delicado, como é difícil mantê-lo assim, intacto e estético!

Chego em casa. Solto-o para as flores (voltará para mim?) e ele e elas se complementam como as presenças que se encontraram para criar a realidade, lá desde começo dos tempos: são a bruta coisa palpável que se organiza em busca da beleza, que se forma elegante, que se cobre de deslumbrante plástica, e que depois se espiritualiza no vôo da separação, para renascer da treva em beleza maior...

O colibri (única ave, creio, que voa em cruz vertical), bebendo néctar é o próprio ícone do Cristo renascido, espalhador da primavera, penetrante e manso, quase imaterial...

(Deus, meu Deus; dai-me merecer existir! Perdoa-me por quando eu despeno este colibri, Teu filho mais afim a TI que eu, este pobre homem rapineiro e cheio de breu na alma... Não me desprezes, meu Pai, que é duro buscar-Te, sendo eu homem e mau!)

Leve, quase em mero aceno, aliso-lhe as penas luminosas, abro uma gaveta em meu coração e o guardo. Que ele vele por mim, suavize meus pesadelos. Que, amanhã logo cedo, ele ainda esteja lá, pois que a gaveta é sem fechadura. E se ele ainda estiver lá (aleluia!) eu me benzerei com o Santo-Sinal e eu o guardarei na concha da mão, e direi: é dia de novo!; vem, companheirinho, vamos passear pelo purgatório...



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