Pablo de Carvalho

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Recife, Pernambuco, Brazil
Escritor (romancista), compositor, cronista e delegado de polícia. Vencedor do prêmio Alagoas em cena 2006, com o romance Iulana, publicado, no mesmo ano, pela Universidade Federal de Alagoas. Vencedor regional e nacional do programa Bolsa Funarte de Criação Literária 2011, da Fundação Nacional de Artes, do Ministério da Cultura, com o romance policial Catracas Púrpuras, lançado no Rio de Janeiro, em novembro de 2012. Escreveu, também, a novela O Eunuco (Edições Catavento, 2001), e o romance O Canteiro de Quimeras (Writers, 2000). Compôs, em parceria com Chico Elpídio, o disco Contemporâneos.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Casa antiga (cotidiano)


Imagino um homem antigo, um homem velho, um homem perto de morrer, mas ainda com um punhadinho de anos pela frente; principalmente: um homem muito atento aos acontecimentos em geral. Imagino-o em sua casa, uma casa antiga, uma casa que, quando construída, era em subúrbio, e hoje fica no centro da cidade, que a engoliu. Imagino essa casa com um jardim florido, um jardim fechado, um jardim que deu sombra e flores a todos os acontecimentos da vida desse homem: casamento (os jornais que leu), filhos (os livros que leu), aposentadoria (os discos que escutou), viuvez (o silêncio que foi) e o dia de hoje, em que esse homem, entre grades, vê, pelas copas e entre os ramos das trepadeiras, a cidade em que ele não nasceu, embora pise, neste momento, o chão da cidade em que nasceu – o que restou desse chão, o que não foi encoberto pela cidade nova que lhe impuseram.
 
Através das lentes de seus óculos, podemos ver o olhar estático do homem, um olhar parado, um olhar fixo, que pouco consegue fazer esse homem sonhar, porque tudo está muito perto: as grades, os prédios, os carros, a gente apressada, a morte – a morte, como a cidade, antes calma e feliz, e hoje próxima e sufocante.
 
Talvez esse homem imagine um último (único) ato de grandeza: pegar o revólver velho, que nunca usou, e sair por aí, matar três pessoas, danificar um carro de luxo e quebrar as vidraças de um arranha-céu... De que adiantaria? De nada! Em primeiro lugar porque lhe faltaria originalidade, e também porque a imprensa está curta, e o presente também está curto, e o futuro é o próximo da fila, cliente apressado que vai pagar sua conta de acontecimentos e dar lugar ao tempo que vem logo atrás, que também é ligeiro e quer livrar-se de existir: dizer o que aconteceu – UM VELHINHO ENLOUQUECEU E SAIU ATIRANDO ETC. – e depois de meia hora mergulhar no nada.
 
Talvez, sim, talvez esse velhinho possa, em vez de entristecer ou sentir raiva, sorrir largamente, abrir um baú e reler uma crônica que leu semana passada, de um escritor que previu acontecimentos que já haviam acontecido, pois na cidade desse escritor havia dezenas de velhinhos como ele, em casas antigas como as dele, que o escritor, ao voltar do trabalho, observava no meio do engarrafamento, e mencionava, por inveja e não por arte, porque sabia bem o escritor que, cada vez mais, a vida vai se tornando mesquinha, e ele (escritor) só tem pra se alegrar o que o velhinho lamenta (o presente), só tem pra sonhar o que o velhinho viveu (o passado), e tem só que lamentar o que virá, cinza e triste, e sem flores na recordação: o futuro.
 

4 comentários:

  1. DESABAFO
    Sabe o que é que me revolta?
    Você escreve coisas fantásticas, tira "leite de pedra" com sua observação do cotidiano, tiradas inteligentes, observações perspicazes...
    E ninguém faz nenhum comentário, nem que seja para criticar, para dizer que tá uma merda, nada!
    Agora, se fosse um perfil no facebook, com um monte de citações já copiadas dos outros que não acrescentam P.N. na vida de ninguém (salvo honrosas exceções, tava cheio de CURTI, e outros comentários sem muito pensar.
    As pessoas estão deixando de ler bons artigos, esquecendo de pensar e ligando o automático.
    Não sou contra redes sociais.
    Acho-as uma invenção fantástica.
    Sou contra a acomodação e resignação da sociedade.
    Vai ler determinados perfis que povoam a internet por aí!
    Recheados de vazio!
    A sociedade está vivendo um hiato cultural dentro da internet.
    Cadê os cabeças pensantes?
    Eles não são populares?
    Nossa elite cultural agora é Mr. Catra, Lady Gaga, J. K. Rowling e outros que não vale nem comentar.
    E viva a idiotização.

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  2. Calma meu amigo Rodrigo, não fique revoltado. Hoje só os amigos comentam as crônicas do Pablo, e isso por si só já basta, pois são comentários sinceros de quem não tem o dom de escrever, e que graças a Deus não é crítico ou formador de opinião, mas que entende as coisas do cotidiano. Mais vale um único comentário seu, do que vários comentários de críticos complexados, que só enxergam poesia e importância nas coisas que ele próprio escreve, ou de pessoas que estão desligadas das coisas que realmente vale a pena. O comentário dessas pessoas não tem valor nem para o PABLO, nem para nós. Sabemos que ele é fantástico no que escreve e senti.

    Fábio Moura

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    1. Valeu!!
      Refleti e vi que você tem razão.
      Vou continuar lendo e me divertindo com a maioria dos escritos do Pablo e "desencanar".
      Quem gostar, bem; e quem não gostar, paciência!

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  3. Posto assim eu posso entender e compartilhar a visão do velhinho, que é a visão de todos os velhos e de todos aqueles que, ainda pertencendo, deixam de pertencer ao tempo em que vivem. Por outro lado eu ainda me aborreço um pouco quando ouço pessoas superestimando o passado só porque é passado, como se entre o passado e o presente, além das perdas, não houvesse também ganhos. E como se o futuro não fosse mais capaz de nos surpreender com boas coisas. Parece que a voz do passado é uma voz ressentida, frágil... mas ao mesmo tempo ela é sábia e carinhosa.

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