Pablo de Carvalho

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Recife, Pernambuco, Brazil
Escritor (romancista), compositor, cronista e delegado de polícia. Vencedor do prêmio Alagoas em cena 2006, com o romance Iulana, publicado, no mesmo ano, pela Universidade Federal de Alagoas. Vencedor regional e nacional do programa Bolsa Funarte de Criação Literária 2011, da Fundação Nacional de Artes, do Ministério da Cultura, com o romance policial Catracas Púrpuras, lançado no Rio de Janeiro, em novembro de 2012. Escreveu, também, a novela O Eunuco (Edições Catavento, 2001), e o romance O Canteiro de Quimeras (Writers, 2000). Compôs, em parceria com Chico Elpídio, o disco Contemporâneos.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Crônica para os homens leves

Algumas pessoas têm reclamado deste cronista (principalmente quando ele está ausente), por ele ter perdido uma antiga leveza, juvenil e flutuante. “Pablito virou Pablo! – Pablito é leve; Pablo é pesado...” – dizem, pegando carona na sonoridade, as costas de uma mão no rosto, olhando à esquerda e à direita. Mas há verdade na malícia deles: tenho escrito coisas pesadas, porque no Brasil os cérebros, as ideias, a velocidade das coisas, são todos grandes elefantes – diria mais: elefantes de muleta. Eu é que fico completamente assombrado com a capacidade deles, os arautos do bem-estar, os que só têm carnaval no sangue, de continuarem leves diante desse estado de coisas: saltitantes como bailarinas russas, mandam um beijinho ao patrocínio do Brasil às mais terríveis ditaduras e aos cínicos atentados à democracia brasileira (o Estado Democrático de Direito, esse saco de cimento!) perpetrados pelo próprio Governo deste País (o PT, esse travesseiro de penas de ganso!). Dão um salto mortal altíssimo, caem abrindo escala, abrem os braços e, levemente, dizem: “Viva Cuba!” Aéreos, primaveris, agrupam-se como em bandos de borboletas imperiais e, com vozezinhas finas e infantis, saem pelas ruas e estendem os dedinhos, censurando os homens pesados: “Ai-ai-ai, menino danado, não fume cigarros do mal! Só se for maconha, ein! (e apertam as bochechas do sapequinha).” “Mulherzinha, minha filha, não se preocupe em fazer amorzinho com seu namoradinho sem se prevenir; depois você pode fazer um abortozinho numa clinicazinha bem maneirinha que fica lá numa ruazinha cheia de arvorezinhas; essa clinicazinha, antigamente, cortava rabinhos e orelhinhas de cachorrinhos, acredita?, mas nós acabamos com essa maldade! (e alisa os cabelos da garotinha de doze anos de idade).”

Na era dos homens leves, direitos são andorinhas, deveres são âncoras de petroleiro. Ah, como os homens leves, feito balões juninos, flutuam, alegres, sobre as religiões, caem nelas com sua intolerância, e incendeiam-nas clamando em chamas por tolerância! Feito colibris astutos, sugam o mel do Estado, com bico longo e língua levíssima, e saem a cantarolar: “Somos amigos das flores!” Leves e densos como uma neblina absoluta, protegem os aéreos traficantes, os antigravitacionais homicidas, os aquáticos estupradores, defendem a descriminalização das estelares drogas, e depois reclamam dos policiais de chumbo, da violência ferrenha, das pedras de crack que esmagam seus filhos alados. Leves, leves; bolhas de sabão, bolas de sopro, papagaios, altíssimos urubus: os homens leves estão por aí! A pedofilia é leve. A família é um fardo. A pobreza do povo brasileiro é romanticamente leve. A riqueza de Cingapura, um pesadelo tectônico. A segregação pelo Politicamente Correto (esse zepelim antes do incêndio) deixa tudo leve: raças mais leves, credos mais leves, sexualidades levíssimas! “Roubar por nossa causa é leve; pela outra, vale toneladas!” “A Petrobrás está afundando? É porque é pesada! Leve é ausência de empresas, a ausência empregos, a ausência de riqueza e dos ricos que geram a riqueza!” “O pensamento independente? Never! Pesado demais: não há pescoço que o aguente. Levíssima é a dissolução da inteligência em grandes massas adestradas: leve como um poodle.” – e cheio de pose também, mas com pouco recheio.

Homens leves, como é feio esse céu que os acolhe, e essa alegria com que insultam seus semelhantes! Como é patético esse movimento de vocês, entre cordões de marionete com asas quebradas, sustentando sua leveza nas mãos do oculto absolutismo que agiganta o Estado, O Grande Irmão, que agiganta a pobreza, essa coisa órfã que precisa de homens leves que flutuem sobre ela, como cupidos (ou moscas...) eternamente flechando o coração dos pobres em amor aos homens leves, que só podem ser amados em estrita hierarquia.

Sim, eu reconheço: meu coração sente o peso dos dias e de hoje, e esse peso, para minha lucidez e desalento, não me permite tirar os pés do chão.


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