Pablo de Carvalho

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Recife, Pernambuco, Brazil
Escritor (romancista), compositor, cronista e delegado de polícia. Vencedor do prêmio Alagoas em cena 2006, com o romance Iulana, publicado, no mesmo ano, pela Universidade Federal de Alagoas. Vencedor regional e nacional do programa Bolsa Funarte de Criação Literária 2011, da Fundação Nacional de Artes, do Ministério da Cultura, com o romance policial Catracas Púrpuras, lançado no Rio de Janeiro, em novembro de 2012. Escreveu, também, a novela O Eunuco (Edições Catavento, 2001), e o romance O Canteiro de Quimeras (Writers, 2000). Compôs, em parceria com Chico Elpídio, o disco Contemporâneos.

terça-feira, 15 de abril de 2014

Vivo em um mundo...

(O dedo em riste, imagino-me proferindo essas palavras para uma platéia gigantesca, embora saiba que só há meia dúzia de pessoas na arquibancada)

Vivo em um mundo em que cientistas afirmam sonhar com o cruzamento entre um ser humano e um chimpanzé, para criar uma nova espécie e desmoralizar sua própria espécie – talvez eles desejem mesmo é ter uma platéia mais obediente, menos humana.

Vivo em um mundo em que uma jornalista é caluniada, ameaçada de estupro, censurada pelo poder político e (quase) toda a imprensa cala, negando-lhe os direitos de ser humano e a condição mulher agredida – ainda aqui, o desejo de reduzir o ser humano a algo menor.

Vivo em um país do mundo cujo governo e vários artistas e intelectuais criaram carreiras batendo no peito o orgulho de terem sido perseguidos pela ditadura militar, mas que patrocinam e paparicam desavergonhadamente ditaduras muito mais sangrentas e totais que aquelas sob as quais padeceram – novamente, é reduzir gente à condição de bicho em cativeiro.

Vivo em um país do mundo em que pessoas boazinhas, de sorriso franco e flores nas mãos, vão às ruas e criticam duramente uma palmada que um pai ou mãe possa dar num filho; que chamam de desumanidade atroz o ato de cortar o rabo de um cão, mas que carinhosamente chamam de liberdade o direito de a mãe poder arrancar um bebê ao ventre – seguimos na esteira ao contrário: o ser humano convertido a bife.

Vivo em país do mundo em que o negro, tão injustiçado pela história, lança mão às cotas que o governo lhe dá e vira as costas aos não-negros pobres, excluídos, favelados que não têm direito à mesma cota, transformando-se o negro em autor de injustiças semelhantes às que sofreu – sempre e sempre: o ser humano catalogado como em zoologia, e dividido em currais.

Vivo em um mundo em que militantes da paz vão à televisão e criticam Deus e o mundo pela violência nascida pela proliferação do crack, mas que defendem a legalização da maconha e fazem propaganda do lúdico universo, da belíssima vida que vive quem costuma “viajar na maionese” – pensando que viver é a arte de dar milho aos pombos.

Vivo em um mundo em que há a Marcha Contra a Família, a Marcha Contra as Religiões, a Marcha Contra a Opressão Moral, por parte de gente que absolutamente não está impedida de viver fora da família, sem crença alguma e em total liberdade sexual e que, clamando por tolerância, tenta destruir as convicções dos outros – mais uma vez, a apologia da bestialidade.

Vivo em um mundo (vasto mundo), em que exemplos como os acima poderiam estender-se longamente, quase ao infinito, e tão mais longa será a lista deles quanto menor for a capacidade de as pessoas se manterem lúcidas neste mundo.

(Suspiro, cansado e impaciente. De longe, vem o som de um piano triste, para acompanhar o esforço final)

...Vivo em mundo em que uma multidão de gente se idiotiza, que se bestifica, que se vulgariza, e que em breve terá apenas a capacidade de babar e morder, como um cão raivoso...

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