Pablo de Carvalho

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Recife, Pernambuco, Brazil
Escritor (romancista), compositor, cronista e delegado de polícia. Vencedor do prêmio Alagoas em cena 2006, com o romance Iulana, publicado, no mesmo ano, pela Universidade Federal de Alagoas. Vencedor regional e nacional do programa Bolsa Funarte de Criação Literária 2011, da Fundação Nacional de Artes, do Ministério da Cultura, com o romance policial Catracas Púrpuras, lançado no Rio de Janeiro, em novembro de 2012. Escreveu, também, a novela O Eunuco (Edições Catavento, 2001), e o romance O Canteiro de Quimeras (Writers, 2000). Compôs, em parceria com Chico Elpídio, o disco Contemporâneos.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

O futuro do presente

Sabe bem o que é o amor, o que é amar, aquele que foi arrancado das trevas pelas asas invisíveis que há nas mãos da mulher. E em torno dessa mulher construiu uma casa que tem mil dimensões, mil janelas e amplos quintais latifundiários estendidos ao longo dos sonhos: dia por dentro de dia, trabalhando, assentando as flores, costurando a voz feminina entre nascente e poente, e no sossego da convivência viu essa mulher confundir-se com a própria casa, o próprio tempo, o movimento do peito exausto mas incansável em eterna surpresa, a sorrir: “toma aqui, meu amor, este dia que eu escrevi, e se misture nele, e seja ele também, em seu arco de Sol a Sol, distante e absoluto como o teto de uma capela”.

Eu chego em casa antes dela, da rua onde andei tropeçando em concreto e cadáveres, abro as portas da entrada e suspiro a vida que há no aconchego, toda a arquitetura dividida, maternal na presença das coisas comuns: os sapatos doces dela, suas doces roupas, e a prece que caminha por onde ela anda, na casa que guarda em seu espaço a silhueta suspensa e multiplicada em perfume e lembrança. Sento na varanda, abro uma cerveja, acendo um cigarro e ligo a música; olho para a cidade e penso: “a beleza tem mil faces, a vida é boa porque posso abraçar sua cintura e afundar o rosto em seus cabelos, mas tudo é conteúdo da mulher que um homem ama.”

Depois ela chega, com seu universo de coisas na bolsa e nos comentários, e ela guarda no ventre um filho! Percebo que há dois planetas que giram e completam seu ciclo em volta da da luz: o da criança, metades completas de tudo, e o do casal, tudo completo em metades.

Sorrio. O dia é sexta-feira. Tento dize-lhe: “ você lembra que; que há um ano...” Mas a voz embarga. A bebida, a música, a fumaça dançam... Tomo suas mãos – colho-as, como disse o poeta. O jardim noturno de meus olhos é iluminado pela lua antiga que há nos olhos dela, aquela lua que se divide e se dá, como hóstias, à boca de cada homem que medita e ama. “Há um ano, meu amor, você lembra bem que...?!”

Ela vai para dentro, silenciosa. Ela já entendeu tudo. Eu é que fico na varanda, contente, rebatendo nessas grades eternas chamadas de Palavra, planando nessa imensa liberdade que se chama querer-bem.


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