Pablo de Carvalho

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Recife, Pernambuco, Brazil
Escritor (romancista), compositor, cronista e delegado de polícia. Vencedor do prêmio Alagoas em cena 2006, com o romance Iulana, publicado, no mesmo ano, pela Universidade Federal de Alagoas. Vencedor regional e nacional do programa Bolsa Funarte de Criação Literária 2011, da Fundação Nacional de Artes, do Ministério da Cultura, com o romance policial Catracas Púrpuras, lançado no Rio de Janeiro, em novembro de 2012. Escreveu, também, a novela O Eunuco (Edições Catavento, 2001), e o romance O Canteiro de Quimeras (Writers, 2000). Compôs, em parceria com Chico Elpídio, o disco Contemporâneos.

terça-feira, 15 de abril de 2014

Em torno de Deus

Muitas vezes, sábado à tarde, sozinho na varanda de casa, cigarro numa mão, cervejinha na outra, fico olhando para as nuvens e pensando:

Alguns intelectuais contemporâneos dizem que o ser humano é o seguinte: um mero fruto de moléculas em colisão aleatória, sem livre-arbítrio algum, já que sujeito passivo das forças físicas da natureza. Essas moléculas teriam nascido de átomos gerados, do nada, numa explosão a que chamam Big-Bang. Ou seja: somos uma mera pilha de átomos que se juntaram ao acaso e foram se aperfeiçoando por milhões de chatíssimos anos, sem propósito ou finalidade. Tudo é matemática, tudo é fruto de ação e reação mecânicas, e nada há além disso. Quando essa pilha de coisas se decompuser, será o fim: a escuridão total e fantasmagórica...

Para começo de conversa, acho que essa receita não é lá muito boa para convencer gente acostumada à contemplação da beleza – da qual esses pensadores estão, certamente, distantes, porque não posso acreditar que um contato verdadeiro com o encanto elevado e sublime de uma obra de arte, do amor, da criação pessoal, da maternidade, da forma estética, do altruísmo etc. tenha nada a ver com animais mais fortes devorando os mais fracos. O que vejo, cada vez com mais clareza, é o seguinte: o nada (Verbo) criando a matéria, esta criando a vida, a vida evoluindo em estética (ou um tigre é feio e um tiranossauro, belo?) e alcançando a racionalidade; a racionalidade criando a capacidade de entender a Divindade, essa capacidade entrando em contato com a Divindade (lentamente, hoje ainda com as pontas dos dedos), e na seqüência teremos um contato mais direto com essa Realidade Suprema, coisa que não podemos ainda imaginar, como não imaginávamos poder haver uma sinfonia enquanto batíamos pedra nas cavernas. Ou seja: tudo é uma projeção vertical e evolutiva que tem a marca do Sublime. Onde? Repito: na silhueta da águia; na projeção da melodia; no símbolo maternal; no sentimento assombroso do amor e em coisas que a palavra não alcança. A lista é infinita.

Às vezes, penso-me pensando como um materialista: nasci de uma explosão que veio do nada, eu não tenho livre-arbítrio, minha arte é fruto de aleatórias coisas mecânicas, minha capacidade de pensar (inclusive de pensar que não tenho capacidade de pensar) é uma ilusão, e quando eu morrer mergulharei no nada. Primeiramente, dá vontade de ser assassino: já que é assim, que nada tem conseqüências nem para mim nem para minhas vítimas, posso matar todos de que não gosto! Posso também roubar de todos, libertar minha bestialidade e ter uma vida esbaldada na mais aberta orgia! Posso praticar qualquer atrocidade, em nome de qualquer causa, já que tudo no final será só escuridão... E o melhor: tudo é culpa do acaso, do qual eu (coitadinho) sou vítima também! Eita, coisa boa: o pecado sem castigo (ouço rojões no ar), o crime sem remorso! Mas aí, dentro de mim, cresce uma tristeza, e me dá uma dor no coração e outra no cérebro... No coração, a que diz: eu não posso maltratar essa mulher, essa criancinha, esse homem de bem!... O que é deles não me pertence... Eles têm alguma coisa doce, um chamamento muito além do fato de terem moléculas na base... Há amor no mundo! Eu não suportaria feri-los, meter a mão nas coisas deles... Pigarreio: mas, ora, se tudo é matemática, tudo já está agendado e não foi você quem fez nada; foi só o movimento das leis de ferro da física, meu bom camarada!... Êpa!, grita e depois me pergunta o cérebro: vamos ver esse negócio que diz que tudo é matemática com calma, cabra safado! E a física quântica, que vive numa dimensão tão incrivelmente pequena e misteriosa que a matemática determinista (esse lego da filosofia) lá não se aplica? Nã-nã-ni-na-não: a matemática é um “intermundo”, existe apenas numa camada, meu jovem! Quem garante que minha mente não seja algo tão abstrato e imaterial quanto esse universo microscópico quântico, e que a ela também a matemática não se aplique? Não confie no pensamento alheio tão facilmente, meu chapa! Sim, Pablo velho, porque sua mais profunda intuição clama, grita, berra pelo livre-arbítrio e você jamais conseguirá sentir-se livre do peso de uma injustiça alegando que o determinismo dos átomos o desenhou para sacanear os outros!... E tem mais: se, como dizem os astrônomos, o nada não existe, como pode sua consciência descer ao nada, de onde ela não pode ter saído? E ainda, cara (pense, não se conforme!): dizem que, antes do Big-Bang, não havia tempo nem espaço, e portanto não havia um lugar para Deus. Mas como pode ocorrer uma explosão fora do tempo? A explosão é um acúmulo de tensão (ummmmmm e... tebei!!!!) e só no tempo a tensão pode se acumular... E as dimensões fora do tempo? E outra (começo a querer me dizer: e outra, seu idiota!, mas me contenho), seu cabra: se você é uma fórmula matemático-arquitetônica, e se o tempo é relativo, quando, no infinito do universo (ou dos universos), essa fórmula se repetir, você (shazan!) abrirá os olhos novamente! De todo jeito, não tem essa de “eterna escuridão; eterno silêncio; descanso eterno”, entendeu? A escuridão é um conceito de quem está vivo e pode compará-la com a claridade, sacou? O silêncio só existe em face do som, que só é escutado por quem vive, não é isso? Só dorme quem está em intervalo para despertar, seu animal!

Ligo o som, volto a relaxar e concluo:

Eu já fui um jovem (nem faz tanto tempo...), e quando eu era jovem acreditava em tudo quanto me diziam, e meu inconformismo era conversa fiada, era mera comodidade e preguiça mental disfarçadas de revolta. Revoltado, revoltado mesmo eu me tornei quando adulto, aqui parado e silencioso, a testa enrugada, lutando contra tudo e contra todos.




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