Pablo de Carvalho

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Recife, Pernambuco, Brazil
Escritor (romancista), compositor, cronista e delegado de polícia. Vencedor do prêmio Alagoas em cena 2006, com o romance Iulana, publicado, no mesmo ano, pela Universidade Federal de Alagoas. Vencedor regional e nacional do programa Bolsa Funarte de Criação Literária 2011, da Fundação Nacional de Artes, do Ministério da Cultura, com o romance policial Catracas Púrpuras, lançado no Rio de Janeiro, em novembro de 2012. Escreveu, também, a novela O Eunuco (Edições Catavento, 2001), e o romance O Canteiro de Quimeras (Writers, 2000). Compôs, em parceria com Chico Elpídio, o disco Contemporâneos.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Crônica pro Dia dos Pais (cotidiano)


Minha filha, neste Dia dos Pais, o seu velho gostaria de lhe pedir uma coisa impossível de se pedir a uma criancinha de cinco anos de idade: que você esqueça o comércio e a pieguice do dia de hoje, olhe pros meus olhos (esses olhos bobos que admiram seu rostinho sonhador), e tenha paciência comigo. Seu olhar seja então, assim no meu encanto e na minha fantasia, crescido antes do tempo. Veja você, portanto, o rosto de um homem que é seu pai, e tente entendê-lo. E esse olhar de homem, através do qual eu agora espalho sobre você o meu amor todinho, é todinho o olhar de meu pai, é como meu pai me olhava em menino; o mesmíssimo olhar, apenas filtrado por meu coração (que é seu) e repetido sobre você à minha imagem e semelhança.

Um dia, já mulher, quando ler esta crônica que agora lhe parece maluca, você compreenderá que um dia, enquanto eu a acalentava no encantamento que foi ter você pequenina, miúda, de mãozinhas doces e sorrisinho lindo, eu fui um homem que viveu entre gente, que foi à rua e voltou, que bateu e levou pancada, que escreveu a palavra possível, que teve os amigos que conseguiu merecer (teve-os, é melhor confessar logo, mais do que mereceu), e que chegava do mundo pra encontrar você e dizer tudo o que não viveu, porque o que viveu foi só sofrimento e desamparo, e você era a única gratidão, a única razão de eu me lavar da mágoa, olhar pras estrelas e sussurrar: obrigado; ela existe!

Sim (que coisa, né?), isso é o que lhe deixo: um velho tolo e sofrido; um velho complicado; um velho cheio de cidades nos olhos, cheio de dor a esconder e perdão a pedir; um velho injusto que não quer aceitar a injustiça, e que, por isso mesmo, não aceitará, no Dia dos Pais, mais que olhar pra você e sussurrar: “Vê, que coisinha mais mimosa; que coraçãozinho que eu não alcanço, e que diz que me ama!...”

Nenezinha, bebê, florzinha amarela que eu trago na palma das mãos como num aquário: cresça, olhe pra mim, olhe pro seu avô, olhe pra todos os que têm ou tiveram pai, pra todos os que têm, tiveram ou terão filhos, e sinta amor – do jeito que as coisas vão, talvez, quando você crescer, essa palavra só exista num dicionário –, mas sinta pena dos homens que precisam ser lembrados por terem filhos, porque (diz o povo com sabedoria) o pior defeito é a ingratidão - e eu nunca lhe serei ingrato.

Um comentário:

  1. Que Deus abençoe nossos tesouros, que são o nosso ponto de equilíbrio entre a beleza que existe na vida, e que nós geralmente não prestamos atenção, e o nosso dia a dia amargo, que parece ser o estado normal da vida, mas não é.

    Feliz dia dos heróis.

    Fábio Moura

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