Pablo de Carvalho

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Recife, Pernambuco, Brazil
Escritor (romancista), compositor, cronista e delegado de polícia. Vencedor do prêmio Alagoas em cena 2006, com o romance Iulana, publicado, no mesmo ano, pela Universidade Federal de Alagoas. Vencedor regional e nacional do programa Bolsa Funarte de Criação Literária 2011, da Fundação Nacional de Artes, do Ministério da Cultura, com o romance policial Catracas Púrpuras, lançado no Rio de Janeiro, em novembro de 2012. Escreveu, também, a novela O Eunuco (Edições Catavento, 2001), e o romance O Canteiro de Quimeras (Writers, 2000). Compôs, em parceria com Chico Elpídio, o disco Contemporâneos.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Trinta anos de idade, e contando ...





Chega uma época em que a gente para, olha pra dentro e conclui (às vezes com um baita susto): eu sou um adulto de verdade, feito achava que só meu pai sempre seria...

De repente, a gente também se dá conta (sorrindo) que viveu décadas numa espécie de entorpecimento, de delírio provocado por televisão, música em demasia, mulheres desperdiçadas, bebedeiras que nos levaram a lugar nenhum – ou melhor, mais justo, mais honesto: trouxeram-nos até o dia de hoje.

É o tempo em que tudo o que foi (menos a infância) parece repetido, sem graça, vazio; em que, se olharmos pra frente e quisermos ainda viver como sempre vivemos, cairemos na loucura, no suicídio, no retardamento.

É o tempo da casa, do trabalho, da mulher que dorme, da criança que cresce, de pensar na existência da vida.

É o tempo de entender o quanto amamos nossos amigos, que, de mãos dadas conosco, venceram as trevas e hoje se olham (perplexos reconhecidos), a dizer: velho, obrigado, você ainda está comigo! É você mesmo, não? Claro que sim!

Lembra, Felipe, de quando você cochilou ao volante e quase nos manda pro inferno? Lembra, Rodrigo, da Belina 1990? Lembra, Zé Edson, de quando você aprendeu a tocar violão? Lembra, Lula, daquele soco que você deu na quina da parede? Lembra, Frank, do fusca que corria como uma ferrari? Lembra, Anum, da mulher desgraçada que levou a mobília da sua casa enquanto você dormia de pileque? Lembra, Diogo, de você vestido de diaba no bloco? Lembra, Mário Aloísio, das mulheres banguelas da Escorpio´s? Lembra, Vanessa, do primeiro livro que escrevemos? Lembra, fulano, que você ficou chateado porque esqueci de mencioná-lo numa crônica, e não se consolou nem quando lhe lembrei que minha memória é um lixo? Lembra? Lembra? Lembra...

Paulo Renault (saudoso amigo), poeta genial que declamava sua arte nos botecos de Maceió e encantava quengas e freiras, dizia que raramente um artista se faz antes dos trinta anos de idade. Sim, ele está correto, e isso é porque em regra um homem só se olha no espelho à vera, só se encara de verdade a partir dos trinta anos.

Hoje, com essa suavidade ao meu redor, não posso dizer que tudo não passou de um sonho, mas que tudo passou de um sonho a outro sonho, mais lúcido e profundo, mais conforme nossa corajosa fragilidade e nosso alcance – que por algum mistério vai além de nós.

Trinta e poucos anos pra começar a entender que a mulher é um segredo que só se revela, e mesmo assim parcialmente, no cotidiano, e se agirmos com uma labuta insistente e encantada de cientista. Que o filho não é nosso herdeiro, é a flor de nossa razão. Que, graças a Deus, Deus jamais seria como aquele que o padre da escola nos ensinou. Que a música, numa festa, não é coadjuvante, é convidada de luxo, é de ser paparicada e ouvida. Que a bebida é feita pra sorrir e não pra gargalhar. Que os amigos, mais que gente de se abraçar e apertar a mão, são nosso próprio coração, enlaçado e protegido, caminhando rumo ao tempo adulto, depois rumo à velhice, e depois, sim, depois rumo a uma silenciosa despedida, rumo à crônica definitiva.




5 comentários:

  1. Grande amigo/irmão...

    Que viagem ao passado... Velhos tempos...

    Parabéns, cada vez melhor o blog.

    Frank Melo

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  2. Amor,

    Perfeito!!!

    Ainda bem que você selecionou a lembrança...

    Cajueiro

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  3. Tem gente que é mais precoce... muito mais precoce. Aí fode tudo antes... e n tem amigo que segure... kkk

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  4. Fantástica essa crônica!
    Muitas boas recordações.
    Lembra, Pablo, que o Zé Edson só sabia tocar aquela música dos Mamonas assassinas(Sábado de sol) em vários ritmos musicais, mas somente aquela; e nós tínhamos que aguentar, até que ele aprendesse outras e, enfim, deixasse nossos ouvidos em paz?
    Lembra Pablo, daquelas cachaçadas (de vinho na garrafa de plástico, é bem verdade) na casa do seu pai no Ouro Preto?
    E no dia em que você cismou de tomar umas, só de cueca, e a gente teve que aturar aquela coisa ridícula bebendo sentado na cadeira da área, balançando os ovos e aquela "verruguinha" anexa a eles que você deve chamar potentosamente de "fazedor de menino"?
    E do dia em que o Anum foi preso por não pagar pensão alimentícia e o Alberto (Cabeça) chegou lá na Delegacia com o Alvará de soltura nas mãos, mas antes fez o terrorismo de dizer que o Juiz não estava na Comarca e o Anum teria que passar mais uma semana no xadrez?
    Lembra? Lembra? Lembra...
    Tempos bons que não voltam mais.
    Mas a época agora é outra; os prazeres são outros.
    As nossas próprias famílias, com esposas e filhos. Sem preço.
    O que foi vivido, foi bem vivido; e a fase agora é de mais responsabilidade (também pode tirar o "mais", se quiser).
    Realmente, um artista antes dos trinta (ou dos quarenta) pode ter toda a técnica mas falta-lhe o substrato, a vivência, as histórias, os "causos"; enfim, a experiência de vida.
    E você, Pablo, com sua apurada capacidade de observação e síntese, (como bem disse o "Bom velhinho" Casimiro) consegue superar a falta dos anos necessários e amadurecer seus escritos que nos divertem e levam à reflexão.
    Continue nessa crescente, amigo.
    Não falo como crítico, posto que me falta o discernimento; mas falo como mero leitor e admirador.
    E, afinal de contas, para quem é que nós escrevemos mesmo?

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  5. Estamos caminhando para os 40, e os sinais ficam mais evidentes a cada dia que passa. Chegamos a conclusão que somos uma realidade, que conseguimos ser responsáveis, conseguimos pagar as contas de casa, conseguimos criar nossos filhos. Definitivamente, não conseguimos beber com moderação, como deve beber um homem com 30 anos.


    Fábio Moura

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