Pablo de Carvalho

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Recife, Pernambuco, Brazil
Escritor (romancista), compositor, cronista e delegado de polícia. Vencedor do prêmio Alagoas em cena 2006, com o romance Iulana, publicado, no mesmo ano, pela Universidade Federal de Alagoas. Vencedor regional e nacional do programa Bolsa Funarte de Criação Literária 2011, da Fundação Nacional de Artes, do Ministério da Cultura, com o romance policial Catracas Púrpuras, lançado no Rio de Janeiro, em novembro de 2012. Escreveu, também, a novela O Eunuco (Edições Catavento, 2001), e o romance O Canteiro de Quimeras (Writers, 2000). Compôs, em parceria com Chico Elpídio, o disco Contemporâneos.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Você JÁ é um espírito: digo e provo!


Amiga leitora, amigo leitor, sentem-se aqui na mesa desta crônica e peçam os seus drinques, que hoje é dia de sinceridade.

Primeiro, pra entrar no clima, respiremos fundo, depois olhemos pra esse céu em noite clara, estrelada – um brinde e saravá!

- Tim-tim; saravá!
- Tim-tim; saravá!
- Tim-tim; saravá!


Vamos ao assunto que dá título à crônica, e confesso que estou aflito, pois esses dois (leitora e leitor) encaram-me com uma tremenda desconfiança – peraí, vou tomar uma lapada; pronto.

Amigos, vamos começar a provar, gole a gole, que nós já somos espíritos (estalo os dedos, aliso o bigode, acendo uma cigarrilha). Olhem pra esse boteco: os quadros da seleção brasileira, o balcão, o dono estressado, as mesas de plástico, o ventilador de teto, as quengas fazendo barulho etc. Tudo, pra começar, tem suas cores (envelhecidas, como em qualquer boteco que se preze, mas cores): amarelo, vermelho, azul, cinza, rosa e por aí vai, não é? Não. Não confie nos seus olhos – princípio que vai muito além do mundo do chifre e da malandragem. As cores não existem. Nada tem cor. A cor é uma ilusão criada pelo cérebro. O cérebro lê a informação que a luz trás através de nossos olhos e atribui cor às coisas; ele inventa isso, por assim dizer. A causa disso? Ainda se divide a ciência. Mas o fato é que nada tem cor, nem o preto-e-branco com o qual você, à moda antiga, já deva estar imaginando este boteco. Nem isso. As coisas não têm cor nenhuma. A luz as revela e ponto – portanto, leitora amiga, aquela mulher que entrou aqui com o “coroa” não estava nada “exagerada”; ilusão sua, viu? Pensando nisso, veja aqueles vagabundos, num canto, jogando dominó. O dominó é feito de marfim, edição de luxo – afinal não são quaisquer vagabundos, os que jogam: são... deixa quieto. E eles (os dominós, claro, jamais os vagabundos) talvez sejam a coisa mais concreta que haja nesta espelunca, onde tudo é oco e empoeirado e enferrujado e prestes a desabar. Mas, calma! Cada pedra desse e dominó é formada por átomos, do mesmo jeito que as paredes velhas daqui o são de tijolos. Esses átomos são feitos de... de... de... espaço! Como? Sim, cara, eles não contêm praticamente p... coisa nenhuma! Eles são como um ovo, em que a gema tivesse um centímetro e a casca ficasse a cem metros de distância. Sendo que a gema é feita de energia, e a casca também. Entre a gema e a casca não tem NADA! Ou seja, nada desta espelunca existe de maneira concreta, é tudo espaço, energia e vazio. Nada sólido (nem a carne velha do tira-gosto), nada real (nem a doença venérea iminente), nada, nada, nada... Mas, argumentou o leitor à minha esquerda (a mulher ainda não disse uma palavra: está pensativa e distante), estou vendo e tocando tudo que há aqui! Calma (digo eu)! Você vê, e do jeito que está tomando pinga verá dobrado, só o que a luz manda pelos seus olhos dentro! E (pergunta ele) ela não manda pra dentro tudo o que há? Claro que não (digo eu)! Por exemplo, nesse momento, mais que esse cheiro de cigarros e linguiça frita, há uma nuvem de partículas atravessando os corpos da gente como a luz do sol atravessa uma peneira, atravessando esses espaços entre a matéria (entre a gema do ovo e sua casca irreal) com mais facilidade ainda que a da chuva pelas goteiras daqui; algumas, como os chamados neutrinos, passam por dentro de você, afetam seu DNA e influenciam na evolução! Você vê apenas uma parcela de tudo o que está se passando ao seu redor, aquilo que a luz consegue trazer, e, ainda assim, como no caso das cores, só o que sua mente permite repassar... E, claro, com suas mãos feitas de vazio, você não toca outros vazios; você apenas pensa assim porque, como dois imãs de geladeira ao contrário, sua mão e as coisas se repelem, mas nunca se tocam, o que não o impede de lavá-las quando sair desse banheiro assassino daqui.

Nesse momento, a leitora que, por ser mulher, já é naturalmente tendente ao abstrato, sai da meditação e manda:

- Então somos seres formados por nada, enxergando uma parcela mínima de coisas que não são de verdade... Somos tão irreais quanto um personagem de videogame, ou do filme Matrix...

- Eita (disse eu), que mulher é danada pra sintetizar as coisas bem (quando quer)!

E o leitor, olhando ao redor, depois pras próprias mãos:

- A gente sempre imagina o espírito como uma coisa inexistente, porque crê no concreto, pensando que ele é concreto... Mas, e Deus, e a religião?

- Amigo velho, não vim complicar falando de religião, nem passar vexame falando do Inalcançável (e vice-versa). Todos já sabem que eu não acredito que tudo o que existe exista por acaso, por coincidência, porque seria como despejar naquela praça uma carreta de dominós e todos, tchan!, darem seis – mas esse é outro papo, pra depois. Eu vim falar apenas isso (e as conclusões, cada um com a sua): que tudo ao nosso redor é uma magnífica ilusão, uma puríssima ilusão brilhante; tudo, desde a lua que banha esta noite de sábado até os acordes daquele violão num cantinho, passando pela latrina velha, tudo é feito da mais pura ideia, é feito de nada, de vibração, como o samba que agora escutamos. Se você procurar, no fundo de tudo, vai achar nada dentro de nada, como quem procura um pensamento dentro de uma cabeça. Portanto, somos espíritos, na exata definição popular do termo: criaturas irreais e “impossíveis”, feitas de coisa alguma, vagando por aí; espíritos bebendo essa bebida, que é feita de vazio e energia, e sentido amor, que é feito de distâncias ainda maiores. Isso, na minha humilde opinião, é muito mais bonito que a perspectiva de sermos feitos de pedra e termos um espírito em nós, como um inquilino abstrato. Portanto, quando você vir alguém dizer que viu uma coisa real, que a tocou, ou esse alguém é doido ou tá querendo lhe (ou se) tapear. Mas, se for um doido, e essa coisa for uma pedra, e ele atirá-la contra você, não convém deixar de desviar sob o argumento de que a pedra é uma ilusão...*



(* Claro que, fora o muito que ignoro, deixo de citar coisas importantíssimas, como a Física Quântica, o estudo dos universos paralelos etc. É que, além de minhas limitações pessoais, que já são muitas, o espírito despretensioso desta crônica não comporta tudo isso. Há farto material sobre esses temas na internet, em livrarias, documentários etc. – e o melhor: em linguagem facílima, que a gente alcança numa boa.)

3 comentários:

  1. Brilhante. Só seremos reais quando não formos mas matéria, ou seja, quando não tivermos mas corpo físico.

    Fábio Moura

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  2. HÔMI!!
    VOCÊ QUER QUE A GENTE FIQUE DOIDO É?
    AGORA DEU PRA FALAR DE FÍSICA QUÂNTICA!!!
    BOTE MAIS COCA-COLA NESSE SEU RUM MONTILLA!!!
    GRANDE ABRAÇO.

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